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A América Latina entre a cultura da igualdade e a do privilégio

2 de dezembro de 2014|Coluna de opinião

Coluna de opinião da Antonio Prado, Secretário Executivo Adjunto da CEPAL (publicada em Notas da CEPAL Nº 82).

Com a crise internacional, os governos da região tinham a possibilidade de adotar as receitas recomendadas pelo neoliberalismo ou seguir um caminho que não transferisse os custos aos segmentos mais vulneráveis. Corretamente, escolheram seguir medidas contracíclicas de corte keynesiano e manter as economias crescendo.

A América Latina, nessas primeiras décadas do século 21, parece estar apontando para um caminho que reconhece que sua história de exclusão sistemática corrói o tecido social e mantém a democracia em permanente incompletude.

As pesquisas qualitativas revelam que a população sente que a injustiça social continua correndo pelas veias de nossos países. Existe um reconhecimento de que a cultura do privilégio ainda vence, apesar da luta para erguer uma cultura da igualdade.

As políticas pró-igualdade incomodam àqueles que construíram suas montanhas patrimoniais à sombra dos benefícios públicos e aos que constituíram sua identidade social em relação a uma dissonância cognitiva que nega que a miséria alheia é moralmente inaceitável em sociedades civilizadas.

A miséria é considerada por esses um lance de dados ou uma escolha de indivíduos indolentes, nunca resultado de mazelas estruturais profundas e do abandono das políticas públicas sociais.

Os rentistas que recebem bilhões do tesouro sem trabalhar são objeto de censura mais branda que aqueles em extrema pobreza e recebendo via políticas sociais uma dezena de vezes menos dos recursos do orçamento público. Isso se em absoluto os rentista são censurados.

Esse é o conflito que vive toda a região, o de aprofundar o que se construiu até agora em benefício dos milhões de latino-americanos que ainda estão na pobreza. Eles em 2013 eram 27,9% dos quase 600 milhões que vivem por essas esplêndidas paragens e dos outros cerca de 70 milhões que superaram a linha de pobreza, mas permanecem em um limiar de vulnerabilidade e que podem regressar a essa condição, caso as políticas de inclusão social sejam alvo de desmantelamento pelos libfreeks.

Passamos por um duríssimo teste com a crise do subprime estadunidense que iniciou em 2007 e estourou em 2008 com o colapso em série de grandes instituições depois da quebra do Lehman Brothers.

A região que vinha crescendo com médias duas vezes superiores aos da década perdida dos anos 1980 e da meia década perdida do último lustro dos anos 1990, se viu ameaçada pela maior onda depressiva desde os anos 1930 que se espalhava pelo mundo.

Os governos tinham a possibilidade de adotar as receitas recomendadas pelo neoliberalismo tanto dos anos 80 ou do igualmente liberal Consenso de Washington dos 90. Ou seguir um caminho que não transferisse os custos da crise internacional aos segmentos mais vulneráveis dos países, trabalhadores, aposentados, pensionistas e aqueles na extrema pobreza.

Corretamente, os governos escolheram seguir medidas contracíclicas de corte keynesiano e manter as economias crescendo.

Foi uma decisão extraordinária, pois permitiu uma recuperação rápida após a curta recessão de 2009, que impediu o crescimento da pobreza e da miséria e recuperou rapidamente o nível de empregos.

À diferença dos ajustes estruturais impostos pelo neoliberalismo hegemônicos nas décadas anteriores, que aumentavam taxas de juros, cortavam fortemente gastos públicos, principalmente os sociais e os de investimentos e geravam forte aumento do desemprego e da pobreza, decidiu-se estimular a economia por vários meios, desde os monetários creditícios até os fiscais.

Não se trata de algo banal, pois os ajustes feitos nos anos 1980 afetaram as taxas de pobreza com tal força que somente em 2005, 25 anos depois, voltou-se aos mesmos níveis que tínhamos então.

E o esforço de manter a crise internacional longe dos nossos mercados de trabalho e da população mais pobre rendeu frutos significativos.

Enquanto a geração de empregos despencou nos países centrais (EUA e UE) e as taxas de desemprego, principalmente as dos jovens, ganharam as alturas, na América Latina os empregos continuaram a ser gerados e as taxas de desemprego caíram aos 6,4%, valor menor aos dos anos anteriores à crise financeira.

A pobreza, que já estava em 33,5% em 2008, depois de passar pelos 43,9% de 2002, chegou em 2012 a 28,2%.

O Brasil foi um dos líderes nesse processo de redução da pobreza. De fato, enquanto a pobreza caiu de 37,8% em 2002 a 18,6% em 2012, uma redução superior a 50% da pobreza, na América Latina e o Caribe como um todo a redução foi de cerca de 36%.

É importante notar que a redução da desigualdade mostra neste período uma curva de declínio mais discreta, explicada pela grande heterogeneidade estrutural presente no Brasil e em toda a região, que só será superada por mudanças profundas na estrutura produtiva e políticas públicas adequadas e duradouras.

Nota:

Os dados de pobreza e distribuição são os produzidos pela Cepal que não são idênticos aos dados oficiais dos países.

Coluna publicada originalmente na: ://www.brasildebate.com.br/a-america-latina-entre-a-cultura-da-igualdade-e-a-do-privilegio/#sthash.teMRcXTb.dpuf