Description
A geração de emprego continua sendo um imperativo da política econômica, posto que o bem-estar das famílias depende de sua quantidade e qualidade. No quinquênio 2004-2008 a América Latina registrou altas taxas de crescimento econômico, as mais elevadas em 40 anos, o que teve efeitos positivos na geração de emprego. Em compensação, em períodos de escassa expansão econômica, o aumento do emprego foi exíguo em quantidade e precário em qualidade. No entanto, o crescimento econômico não é o único que incide na quantidade e na qualidade do emprego.Os três pilares da institucionalidade trabalhista, isto é, as regulações das relações individuais e coletivas de trabalho, a proteção contra o desemprego e as políticas ativas do mercado de trabalho, também desempenham um papel fundamental, dado que influem na dinâmica e nas características da oferta de trabalho, na quantidade e qualidade dos postos de trabalho gerados e na eficiência dos processos de busca de emprego e contratação, assim como nas condições e perspectivas das pessoas que ficam sem emprego.O debate sobre a institucionalidade trabalhista, tanto no âmbito acadêmico como no político, não gira em torno de sua importância, sobre a qual não cabem dúvidas, mas sim sobre a obtenção de um desenho ótimo, e dele surgem duas posições principais. Os partidários da primeira consideram que a institucionalidade deveria se basear exclusivamente em mecanismos de mercado e que a aplicação de outros instrumentos distorce o funcionamento do mercado de trabalho e reduz sua eficiência e, por conseguinte, seu desempenho em termos de equidade. Os partidários da segunda posição, em contraste, sublinham que, para que este desempenho seja justo e sustentável, é necessário introduzir mecanismos que protejam os trabalhadores num mercado caracterizado por uma desigualdade estrutural entre os atores.Estas análises adquiriram força no contexto de uma globalização que exerce cada vez maior pressão sobre a competitividade sistêmica dos países e obriga a fazer ajustes na institucionalidade trabalhista; a partir disso, se colocam diversas questões, entre elas: se as regulações das relações individuais e coletivas do trabalho permitem que as empresas se adaptem de maneira adequada aos vaivéns dos mercados, se estimulam o desenvolvimento de estratégias de crescimento e competitividade de longo prazo ou se favorecem a distribuição justa dos resultados do crescimento e o desenvolvimento de trajetórias trabalhistas ascendentes. Além disso, cabe perguntar se os mecanismos de proteção contra o desemprego constituem instrumentos que fomentam a equidade e favorecem a reinserção eficiente no mercado de trabalho. Quanto às políticas ativas do mercado de trabalho, pode-se examinar se melhoram a empregabilidade das pessoas com problemas especiais de inserção trabalhista. Finalmente, cabe perguntar se os três pilares da institucionalidade trabalhista na atualidade favorecem um aumento contínuo da produtividade e contribuem para um funcionamento eficiente do mercado de trabalho.Durante as últimas décadas foram feitos esforços para aperfeiçoar a institucionalidade trabalhista dos países latino-americanos mediante reformas que refletem os diversos pontos de vista a esse respeito. Tomaram-se medidas dirigidas, em alguns casos, a aumentar sua eficiência, insistindo na conveniência de contar com mercados de trabalho mais flexíveis, ou orientadas a melhorar os direitos dos trabalhadores e a proteção dos mais vulneráveis; também se combinaram diversos instrumentos para melhorar a eficiência e a equidade simultaneamente.Apesar da obtenção de certos avanços, não existem processos para integrar a institucionalidade trabalhista numa estratégia de desenvolvimento de longo prazo, isto é, num projeto de crescimento sustentável, baseado na incorporação crescente de inovações e recursos humanos cada vez mais qualificados.O debate sobre seu aperfeiçoamento tem duas deficiências vinculadas entre si: por um lado, uma visão de curto prazo que enfatiza a obtenção de lucros imediatos, como os derivados da redução dos custos trabalhistas, e que não considera a importância de uma força de trabalho qualificada e da existência de relações de trabalho que favoreçam o aumento contínuo da produtividade no contexto de uma estratégia de desenvolvimento sustentável competitiva no longo prazo; por outro, uma visão de soma zero, baseada principalmente no conflito nas relações de trabalho, que ignora o potencial das relações de cooperação dentro da empresa.Neste contexto, analisa-se o conceito de flexigurança. Este modelo, que surgiu em vários países europeus, dos quais a Dinamarca é seu principal expoente, combina mercados de trabalho flexíveis, elevados níveis de proteção contra o desemprego e políticas ativas do mercado de trabalho orientadas a facilitar uma reinserção laboral eficiente e em condições favoráveis para o trabalhador. Além disso, combina-se com uma estratégia de crescimento econômico que conta com uma força de trabalho cada vez mais qualificada, pois incorpora um componente de capacitação permanente.Obviamente, este conceito, orientação central da política trabalhista da União Europeia, não pode ser aplicado de maneira idêntica na América Latina, mas as lições que oferece podem ser úteis para a região, entre elas: a necessidade de adaptar a institucionalidade trabalhista a um contexto econômico e social mais dinâmico e volátil, a importância de levar a cabo reformas negociadas para que esta institucionalidade seja sustentável no tempo, e a conveniência de contar com uma visão integrada dos diferentes componentes de uma institucionalidade trabalhista coerentemente integrada numa estratégia de desenvolvimento de longo prazo.A realidade sociotrabalhista dos países da região é muito diversa e os objetivos específicos de uma estratégia de aperfeiçoamento da institucionalidade trabalhista, assim como a identificação das prioridades de política e os instrumentos a serem aplicados, deverão surgir de uma análise cuidadosa da realidade de cada país e de processos de diálogo social e político que levem em conta a idiossincrasia de cada um deles, de maneira a melhorar de forma sustentável a eficiência e a equidade.Este livro aspira a ser uma contribuição para este processo. Ele resume os principais resultados do projeto "Mercados de trabalho, a proteção dos trabalhadores e o aprendizado permanente dos trabalhadores numa economia global: experiências e perspectivas da América Latina e do Caribe," executado pela CEPAL com a cooperação do Governo da Dinamarca.No primeiro capítulo, Jürgen Weller resume as mudanças recentes nos três pilares da institucionalidade trabalhista dos países latino-americanos e analisa os desafios que enfrentam para seu aperfeiçoamento. No capítulo seguinte, Henning Jorgensen explica as características do modelo dinamarquês da flexigurança e analisa sua relevância para a América Latina. Posteriormente, Adrián Goldín, José Paulo Chahad, Mario Velásquez, Clemente Ruiz Durán e Jorge Toyama discutem as mudanças e desafios sobre o tema na Argentina, Brasil, Chile, México e Peru, respectivamente. No capítulo final, Víctor Tokman examina a informalidade que caracteriza em maior ou menor grau os mercados de trabalho da região e que representa um dos principais obstáculos estruturais para um modelo de flexigurança "à moda latino-americana" e avalia as opções de uma estratégia de formalização como condição para construir economias e sociedades mais integradas e coesas. Esperamos que estas colaborações contribuam para um debate tão complexo quanto necessário. Alicia BárcenaSecretária ExecutivaComissão Econômicapara a América Latinae o Caribe (CEPAL)