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Colóquio Unasul-Instituto Lula sobre Integração das Cadeias Produtivas na América do Sul

13 de maio de 2015|Discurso

Conferência de abertura de Antonio Prado, Secretário Executivo Adjunto da CEPAL.

Conferência de abertura no Colóquio Unasul-Instituto Lula

sobre Integração das Cadeias Produtivas na América do Sul

13 de maio de 2015 em São Paulo-Brasil

 

Autor: Antonio Prado[1]

 

Caros amigos e amigas quero em primeiro lugar agradecer o convite realizado à Cepal por ambas as instituições  organizadoras.  Vou nessa ocasião substituir à Secretária Executiva da Cepal, a senhora Alicia Barcena que lamenta muito não poder estar hoje com esse grupo tão importante de autoridades e de especialistas sobre integração regional e indústria. Alícia foi convocada de última hora pelo Secretário Geral das Nações Unidas, Senhor Ban Ki Moon, para reuniões com seus seniors managers sobre assuntos urgentes da instituição. A Cepal vem realizando atividades com o Instituto Lula há alguns anos e em Santiago tivemos um seminário sobre Desenvolvimento e Integração na América do Sul, com ampla convocação entre intelectuais latino-americanos e que logo terá seus resultados publicados em livro. Autorizados pelo mandato aprovado pela Assembléia Geral da ONU que aprovou um novo subprograma, o 14º da Cepal, para tratar dos organismos regionais de integração, estamos assessorando a UNASUL em vários temas, desde a governança dos recursos naturais até os debates sobre uma nova arquitetura financeira regional e a integração regional via cadeias produtivas. Já publicamos vários documentos com estatísticas da região, por solicitação da Secretaria Geral da UNASUL.

Não poderia terminar essas considerações iniciais sem cumprimentar o ex- Presidente do Brasil Luis Inácio Lula da Silva e o ex- Presidente de Colômbia,  atual Secretário Geral da UNASUL, Senhor Ernesto Samper e parabenizá-los pelos excelentes discursos que antecederam minha conferência e que me liberam do desafio de tratar vários temas já brilhantemente apresentados por eles.

Caros amigos e amigas, senhores Presidentes Lula e Ernesto Samper, farei uma conferência com três partes básicas. Na primeira tratarei de fazer uma análise da situação e balanço da América Latina e o Caribe no último decênio; na segunda introduzirei os desafios estruturais para a inserção internacional da America Latina e na terceira, farei uma rápida justificativa para a importância de avançar na integração regional. Na verdade essa justificativa será decorrência das duas primeiras partes de minha exposição e que na sua dimensão política já foram tratadas por ambos Presidentes.

Minha primeira consideração é sobre a necessidade de tratarmos a trajetória econômica e social da região no marco das flutuações das atividades nas economias capitalistas. As economias capitalistas flutuam, tem fases de prosperidade, desaceleração, crise e recuperações e novamente prosperidade. Essa dinâmica é inerente ao sistema econômico. Mas há os interpretes do capitalismo que tem o hábito de abandonar essa realidade fundamental todas as vezes em que há uma fase de prosperidade mais longa e passam a tratá-la como nós economistas chamanos de steady state, ou seja, como a superação da dinâmica instável do sistema, como se o crescimento fosse durar para sempre e se isso não ocorre, é atribuído a erros da intervenção do Estado na economia. Repito e reitero, as economias capitalistas são inerentemente instáveis e suas atividades flutuam. Temos que insistir nesse ponto por razões técnicas e políticas.

Em recente reunião da Cepal em New York, durante nosso Comitê Plenário de 2015, que reúne a cada dois anos nossos 45 Estados Membros e 13 membros associados, representados aí pelos embaixadores das Missões permantes, apresentei essa questão. Basicamente em função dos debates sobre a agenda pós-2015 e os ODS. A agenda pós-2015 é universal e constitui um importante marco civilizatório, mas como todas iniciativas internacionais dessa envergadura sofre também críticas a sua viabilidade. A importância de se reconhecer as flutuações econômicas está no fato de que não se pode avançar nessa agenda ao mesmo ritmo em todas as fases da economia. É evidente que se pode avançar mais rápido em fases de prosperidade geral que em fases de desaceleração e crise. O que geralmente ocorre, é que aos primeiros sinais de diminuição dos ritmos de avanço já surgem aqueles que gritam, fracasso. Por isso é preciso deixar claro que em uma agenda de longo prazo o importante é ter uma estratégia para as várias fases. Há momentos de avançar, de preservar os avanços ou de resistir às regressões, mas o fundamental é não perder o horizonte de longo prazo, a bússola, o rumo.

Há uma dimensão que está relacionada as razões técnicas do reconhecimento das flutuações econômicas. Não uso aqui o conceito de ciclos pois este pode dar a impressão de regularidade temporal previsível, como se pudessemos datar as fases. Não se pode. O que sabemos após 150 anos de estudos é que existem flutuações recorrentes na economia, provocadas por vários tipos de fatores, desde ambientais até os tecnológicos e expectacionais. As regularidades temporais são aproximações estabelecidas a posteriori, não podem ser tomadas como dados para a intervenção das políticas públicas. Mas, sim, é possível atuar para estimular a prosperidade e preparar-se para encurtar as contrações. Os estudos da Cepal (Mudança estrutural para a igualdade, 2012) identificam que há um viés contra o crescimento na região. Os investimentos, que são gastos fundamentais para sustentar o crescimento da demanda e da capacidade produtiva, caem 3 vezes mais que o PIB nas fases de contração e sobem pouco mais que o PIB durante as fases de prosperidade. Isso diminui estruturalmente o PIB potencial e nossa capacidade de inovação e de aumento de produtividade.

Reconhecer a flutuação recorrente é ter estratégias diferentes de manejo macroeconômico nas fases de prosperidade e nas fases de contração. Não se pode comprometer o desenvolvimento de longo prazo com as políticas de ajuste macroeconômico de curto prazo. Na prosperidade há que se criar fundos que permitam financiar os investimentos privados a custos adequados e que possam sustentar a recomposição dos gastos com investimentos nas contrações, de privados para públicos, de expansão produtiva privada para gastos com infraestrutura públicas e geração de economias externas E também sustentar políticas sociais anti-cíclicas. Nossos cálculos econométricos revelam que o crescimento estrutural de longo prazo sofreu uma inflexão forte com a década perdida dos 80 e com os ajustes estruturais do Consenso de Washington nos 1990. O mesmo não ocorreu com a economia Coreana, por exemplo, que soube proteger sua estratégia de desenvolvimento das pressões contracionistas.

Desde essa perspectiva, devemos analisar os anos da chamada bonança das commodities, na última década . Com uma visão que considere os avanços e as brechas estruturais ainda não resolvidas. Não concordo em absoluto que esse tenha sido um período perdido para o desenvolvimento. Dizer o contrário seria como jogar bebê fora com a água suja. Esse período pela primeira vez no último século, teve uma coincidência entre crescimento e distribuição de renda. O chamado casillero vacio, assim chamado por um dos teóricos cepalinos, Fernando Fayjnzilber, que começou a ser preenchido. Lentamente, é verdade, mas de forma muito importante. Todos os índices de concentração de renda, sejam os que medem distribuição pessoal ou funcional, apresentaram bons resultados. Há um debate relevante sobre a qualidade desses índices, mas estes não podem obscurecer o fato de que tanto os índices de Gini, como os de distribuição relativa de renda, de bens de consumo e de serviços públicos melhoraram. Não é um feito qualquer, é muito relevante na história econômica e social da região.

A redução da pobreza foi outro feito impressionante. A crise da dívida externa dos anos 1980 catapultou as taxas de pobreza de 40%, em 1980 a quase 49%, em 1990. Somente 25 anos depois dessa tragédia social é que o indicador voltou aos níveis de 40%. Durante os anos 1990, o controle da hiperinflação em vários países da América Latina e o gradual aumento dos gastos sociais, acompanhado da redução da taxa de dependência nos domicílios, o conhecido bonus demográfico, permitiram uma redução lenta da pobreza. As políticas do Consenso de Washington serviram como uma trava para aceleração desse processo, principalmente pelos seus efeitos sobre as taxas de crescimento do PIB. É a partir de 2005 que a pobreza cai drasticamente, com o crescimento do PIB mais substantivo, o dobro dos períodos anteriores, com o aumento dos gastos sociais mais rápido e com a continuidade da baixa inflação e o bonus demográfico.

Hoje, senhores Presidentes Lula e Ernesto Samper, são 132 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe cobertas por programas de transferência de renda condicionada, como o Bolsa Família, Oportunidades, Chile Solidário, Bono de desarrollo humano e muitos outros, em 20 países[2]. Esses programas são fundamentais em resgatar a vida cidadã desses esquecidos das políticas públicas. Não poderia deixar de dizer, porém, que foi o dinamismo do mercado de trabalho, que permitiu a redução da informalidade, ainda que esteja muito alta até hoje, o aumento dos salários reais, impulsados pelos aumentos de salário mínimo e pela escassez relativa de mão de obra, provocada pela forte redução das taxas de desemprego que foram os fatores determinantes dessa redução das taxas de pobreza. Taxas que continuaram reduzindo, devido às políticas adotadas para a proteção dos mais vulneráveis na sociedade, isso mesmo após a maior crise do capitalismo desde os anos 1930, que começou em 2007 e nos atingiu a partir do final de 2008, com a quebra do Lehmann Brothers nos EUA.

Com esse pontos estabelecidos, quero tratar de outros avanços ocorridos nesses últimos 10 anos. É inegável que a mudança dos termos de troca a nosso favor nesse período de bonança nos preços das commodities permitiu saldos comerciais substantivos e geração de superávits de transações correntes por vários anos até a crise financeira internacional. Como soi passar nessas ocasiões, a abundância de divisas geradas pelas transações comerciais atrai divisas que também entram pela conta de capitais, gerando uma superabundância de divisas, que é fatal para as dimensões mais estruturais da economia, ao provocar sobre valorização das moedas nacionais, assunto que tratarei mais adiante. Nesse momento, quero ressaltar que esse fluxo de divisas permitiu uma redução das dívidas públicas internas e externas da América Latina, excluído o Caribe. O endividamento público bruto médio regional caiu a 30%. As dívidas externas públicas ainda mais, apesar que houve uma tendência de crescimento da dívida externa privada em vários países.

Esse fluxo de divisas permitiu não só a redução e pagamento das dívidas multilaterais mas também uma grande acumulação de reservas internacionais, que chegam hoje a mais de US$ 800 bilhões. Essas reservas foram muito importantes para blindar o sistema financeiro da região do colapso internacional dos grandes bancos e do sistema de crédito. Se não fossem essas reservas, nossos países teriam sido massacrados pela falta de recursos e pelos ataques especulativos, que são típicos nesses momentos, às moedas não conversíveis e frágeis na hierarquia de poder econômico global. Sobrevivemos ao vendaval imediato da crise e ainda conseguimos manter o mercado de trabalho dinâmico, protegendo os setores mais vulneráveis através desse dinamismo e das políticas sociais fortalecidas e defendidas pela democracia.

Isso nos leva ao outro lado da moeda da avaliação dos anos de bonança das commodities, seus impactos sobre a estrutura econômica e as distorções provocadas pelo mesmo afluxo de divisas conversíveis. A entrada e saída de divisas via comércio e investimentos diretos é menos volátil que a via investimentos de portfólio, feitos em papéis de dívida ou ações. Seria inevitável nesse período alguma sobrevalorização cambial, principalmente pelo fato dos países centrais terem em sequência adotado políticas de quantitative easing e de taxas de juros de curto prazo negativas, em função da armadilha da liquidez gerada pela crise internacional. Mas como nossos mercados são muito pequenos em comparação com a liquidez internacional, qualquer transbordamento especulativo em nossa direção tende a sobrevalorizar nossas moedas e desestimular a indústria manufatureira, pelo aumento de importações de insumos e produtos acabados, como tende a  sobre-estimular o setor serviços e seus preços, já que tem aumento de demanda, mas são non-tradables e logo não sofrem a concorrência de importados. Assim, a ausência de políticas de administração do câmbio e dos fluxos de capitais tendem a causar efeitos estruturais duradouros e a permitir fluxos conjunturais abruptos que vulnerabilizam as economias domésticas.

Mas esse período também apresenta outros temas estruturais mais profundos relacionados as  três debilidades inerentes às economias subdesenvolvidas, que são a vulnerabilidade externa, a heterogeneidade estrutural e a debilidade institucional. Podemos dizer que além do tema da produtividade, que define as brechas internas de nossas economias e suas diferenças abissais inter e intra setores econômicos e também as brechas externas, em relação às economias mais desenvolvidas, brechas que continuaram crescendo neste período, há um outro indicador tipicamente cepalino, que prefiro, que são as elasticidades renda-resto do mundo das exportações vis a vis as elasticidades renda-doméstica das importações. Prefiro estes indicadores pois a produtividade pode crescer nos setores já existentes, sem mudança estrutural. Mas as elasticidades referidas só são modificadas com mudanças na estrutura produtiva e na sua composição. Isso nos diferencia da visão dos economistas neoclássicos, que tratam os problemas da produtividade como falhas de mercado, como se existisse um mercado perfeito como referência.

A relação dessas elasticidades na Corea contemporânea é de 2 vezes a favor da elasticidade renda das exportações, o que significa que quando a renda mundial cresce, as exportações da Corea crescem substancialmente e quando sua renda interna cresce, esse país tem capacidade de abastecer com produção doméstica sua demanda interna. Nossa região está ainda na situação de não aproveitar totalmente o crescimento da demanda mundial, pois depende dos preços voláteis das commodities e tende a importar muito em períodos de crescimento da demanda doméstica. Ou seja, a renda vaza para o exterior e isso tende a provocar déficits comerciais e redução no potencial de geração de empregos de qualidade. Por um período esses déficits podem ser cobertos em parte por IDE, por fluxos especulativos, ou empréstimos externos, mas são a semente da crise de balanço de pagamentos e seus efeitos deletérios sobre as economias e empregos. É a chamada dominância do balanço de pagamentos, que condiciona a economia doméstica.

Uma mudança estrutural é fundamental para diversificar as economias da região e diminuir sua exposição a exportação de poucos produtos por poucas empresas, que é a característica básica de nosso comércio exterior. Houve uma espécie de lock-in (efeito catraca) estrutural nesses anos de bonança, pois com a sobrevalorização cambial e o aumento da rentabilidade dos setores primário-exportadores, os investimentos subiram nesses setores e caíram nos manufatureiros. Assim, nossa pauta de exportação passou novamente a ser formada por produtos primários e manufaturas com baixa tecnologia e intensivas em matérias primas, 60% do total, isso depois de ter mudado nos anos 1970. Preços e mais capacidade produtiva fortaleceram os setores de commodities e enfraqueceram os setores industriais.

Esses são basicamente os pontos em que conseguimos avançar e os que não soubemos ou pudemos fazer com os recursos gerados nesse período tão especial. Vivemos hoje uma encruzilhada desse padrão de desenvolvimento. O longo ciclo de preços das commodities chegou ao seu final e temos dificuldades crescentes para continuar o processo distributivo e de redução da pobreza. Já há três anos as taxas de pobreza que caíram velozmente no pós 2005, estão estagnadas e há uma tendência de crescimento da extrema pobreza. Há 16 países da região fazendo reformas tributárias e fiscais para ganharem espaço fiscal para financiar suas economias, mas enquanto a economia mundial não se recuperar e continuar a tendência, que vem desde 2011 de desaceleração no crescimento do PIB regional, se torna muito mais difícil  continuar a trajetória de redução da desigualdade e da pobreza.

***

 

Nossos desafios são ainda maiores. Não pudemos avançar em muita coisa porque até há pouco tempo haviam políticas interditadas na região. O Consenso de Washington e a hegemonia do pensamento neoliberal não permitiam que se falasse de estado intervencionista e de políticas industriais e de ciência e tecnologia. Um equívoco monumental, pois os países centrais nunca deixaram de fazê-lo e que hoje têm a política de reshoring, de reinternalização da capacidade manufatureira. Uma olhada nos relatórios do DARPA-Defense Advanced Project Agency dos EUA, que criou a internet entre outras coisas, permite ver a tremenda agenda de pesquisa que estão desenvolvendo, todas disruptivas, transformadoras. O Facebook, por exemplo, não é uma atividade de incerteza fundamental, ele se aproveita de todo um desenvolvimento tecnológico anterior, até do open source da www e da infraestrutura pesada de telecomunicações da Web para crescer. Fatura bilhões no mundo e na região e não deixa quase nada em impostos e empregos, só 600 desses últimos, calculamos para toda a América Latina e o Caribe. Nada.

Também os EUA tem os NIH-National Institute of Health que fazem e financiam as pesquisas básicas na área de saúde, só posteriormente assumidas por grandes laboratórios. O mesmo acontece com a NASA, Department of Energy entre tantas outras agências públicas. É o que a especialistas Mariana Mazzucato trata como estado empreendedor, que assume diretamente a tarefa desenvolver a ciência e as tecnologias disruptivas, as inovações fundamentais, que rompem paradigmas. É preciso audácia e visão de futuro, coisa que falta aos formuladores neoliberais, que tem uma visão mecânica do mercado capitalista, como se esse fosse uma criação espontânea e não o resultado de ações diretas do Estado, como bem esclareceu Karl Polanyi em seu a Grande Transformação. Os chicagos boys não entendem de desenvolvimento, menos ainda seus alunos latino americanos.

Temos que repensar nosso lugar no mundo. América Latina e o Caribe frequentemente estão incluídos em livros brancos de estratégias internacionais de países como EUA, China e regiões como a UE, em seções secundárias das análises, porém. Talvez porque a própria América Latina e o Caribe não tenha uma visão da sua inserção internacional como região. Somos objeto de políticas, sem sermos sujeitos coletivos de uma política própria. Perdoem-me a audácia, caros Presidentes Lula e Ernesto Samper, mas creio que a Cepal deveria oferecer a região essa visão. Claro que com as devidas cautelas de consultar autoridades e especialistas em política internacional, apresentando para sua revisão um texto básico para discussão. De alguma forma, já o faremos nos primeiros capítulos de nosso próximo documento do 36º. período de sessões que será em 2016, no México.

Como dizia Raul Prebisch, e o cito livremente, observe antes de pensar. Ele sabia nos anos 30 e 40 que a região se pensava através dos canones criados nas universidades inglesas, européias e norte-americanas. Traduziam os modelos dedutivos do pensamento ricardiano e neoclássico a realidade regional e claro, perdiam o essencial, que era o fenômeno do subdesenvolvimento, muito particular e não passível de ser traduzido pelos conceitos clássicos e neoclássicos.  Avançamos ao criar uma teoria do (sub)desenvolvimento latino americano, mas perdemos grande parte deste esforço pela ofensiva do neoliberalismo a partir de meados dos anos 70. Voltaram a cena os formuladores de política que traduzem a região usando os paradigmas forâneos de forma acrítica. Uma regressão no pensamento econômico e na política pública. Uma recolonização de mentalidades.

Pois se os anos da primeira metade do século XX nos obrigaram a pensar, devido às mudanças tectônicas de seu tempo, como o colapso da ordem liberal, a segunda revolução industrial, a ascensão do capitalismo tardio de Alemanha, EUA e França, a crise dos anos 30, as duas guerras imperialistas, a emergência da hegemonia norte-americana e do dólar, hoje, as forças telúricas não são menores e na verdade estão a redefinir o mundo em que vivemos. Ocorrem mudanças tecnológicas, na geo-política comercial, na hegemonia unipolar do pós guerra fria, no ambiente do planeta. Quem diria há trinta anos que dois países coloniais, China e Índia se transformariam em economias gigantes, que Brasil seria a 7º economia do mundo, pouco menor que o país hegemônico nos séculos XVIII e XIX e de boa parte do XX, que é a Grã Bretanha? Os países baleias, considerados como inviáveis nos debates de há mais de 40 anos, hoje se apresentam como protagonistas regionais e mundiais. China é um claro ganhador nessa corrida ao desenvolvimento, apesar de ter ainda um longo caminho a percorrer para construir o bem estar de sua imensa população, mas já retirou centenas de milhões da pobreza.

Existe um claro movimento em nível internacional no sentido de se reposicionar na geopolítica comercial. Os chamados mega-acordos de comércio são a evidência desse jogo de gigantes. Há pelo menos quatro processos relevantes. O Acordo Transatlantico sobre Comércio e Investimentos, entre EUA e a União Européia; o TPP, Acordo de Associação Trasnpacífica, com 12 países da América Latina, América do Norte, Asia e Oceânia e a Associação Econômica Integral Regional, com 10 países da ASEAN, Australia, China, Índia, Japão, Nova Zelândia e Corea e o acordo UE-Japão. Se formam três centros regionais, um que gravita com EUA, outro com Europa e outro com China. A criação da União Européia já vem de uma época que China não era um global player e que a preocupação européia era não ser subssumida pelos interesses de EUA e pelo que chamou Giscard D’estaing de privilégio exorbitante do dólar. Hoje a União européia tem um comércio intra-regional de mais de 60% cursado basicamente em sua moeda comum, o Euro. O NAFTA tem um comércio intra-regional de mais de 40%, sendo que Canadá e México dependem de mais 80% do comércio com os EUA, liquidados em dólar. Asean+5 tem um comércio intra-regional de mais de 40%, com hegemonia crescente do Reminbi, chinês. América Latina e o Caribe continuam com cerca de 19% de comércio intra-regional, cursado em dólares. Frente a esses processos em curso rápido,  nós estamos ainda debatendo nossas dificuldades.

Aos que crêem que podemos enfrentar esses blocos comerciais e monetários com acordos bilaterais, TLCs, quero trazer a memória o episódio da volta de Raul Prebisch das negociações argentinas com Grã Bretanha, registrado por Dosmann em seu livro , sobre o preço da carne no período da 2º. guerra. Quando chega de Londres diz que as negociações comerciais são, principalmente, intensivas em poder. Essa é a razão de economia política fundamental para a defesa da integração regional da América Latina e do Caribe, além das razões de economia de escala e de mercado. Os EUA, caros amigos, não respeitam negociadores fracos, assim como qualquer outro país não o faz, claro que agradecem àqueles que querem entregar os interesses nacionais e regionais, mas não respeitam a debilidade, pois é uma Nação constituída sobre os pilares de seus interesses capitalistas nacionais próprios. A integração regional de América Latina e o Caribe não é só uma escolha, é um imperativo, é mandatória frente a esse cenário de mudanças tectônicas na geopolítica comercial e financeira.

China entendeu perfeitamente o sentido do TPP e busca aliados estratégicos pelo mundo, principalmente em nossa região e na África, depois de se consolidar em sua própria Ásia. Nos diz Fernando Sarti que o comércio intra-regional de China é deficitário e superavitário com o resto do mundo, à exceção de poucos países, como o Brasil, por exemplo, que é superavitário com aquele país. Isso significa que as cadeias produtivas da China dinamizam seus vizinhos e lhe dá uma liderança econômica benigna e natural.

Outra grande transformação em processo é a 4º. Revolução industrial. Nossa região ainda se pergunta se deveria ter estratégia para a 3º. Revolução industrial que nos acompanha pelos últimos 30 anos. Bem, as sementes da quarta já estão maduras. A promessa da AI – inteligência artificial já está cada vez mais presente. Não só pelo desenvolvimento dos algoritmos evolutivos e dos sistemas como Watson da IBM, mas pelos avanços dos chips com arquitetura neural e a computação quântica. Recentemente, um grupo de pesquisa descobriu uma nova proteína para o combate de determinados tipos de câncer apoiados pelo sistema Watson. O super computador fez uma revisão de mais de 100 mil estudos sobre o assunto e descobriu a nova proteína, posteriormente confirmada pelos cientistas humanos. Vejam, um software e um super computador fizeram a descoberta. Mais do que jogar xadrez ou ser um grande especialista em charadas televisas, Watson faz ciência. Nenhum grupo de cientistas seria capaz de revisar uma literatura tão ampla para chegar a essa conclusão. Esses sistemas hoje, fazem traduções simultâneas, respondem perguntas em celulares, substituem médicos, advogados, contadores, policiais, economistas, operadores de mesa de bolsas, professores, assistentes on-line. Mas isso é apenas o começo.

As mudanças demográficas, a queda da natalidade e o envelhecimento da população dão um outro motivo para o desenvolvimento da robótica inteligente. Eles saem das fábricas, das seções de pinturas, soldagem e montagem para os hospitais, asilos, casas e empresas de serviços. Passam a ser assistentes pessoais, cuidadores, acompanhantes, professores, mensageiros, distribuidores de remédios em hospitais, auxiliares de enfermeiros, personal trainers, apoio de astronautas, motoristas, ajudantes de cozinha. Em poucos anos serão mais que aspiradores de pó, serão sua companhia, seu amigo, seu colega, seu tutor, seu carro. Os impactos sobre os empregos e a concorrência podem ser brutais.

A manufatura também passa por outra grande revolução, não só de produtos e processos, mas também de insumos. Uma nova geração de produtos inteligentes chegarão ao mercado, já passíveis de ser conectados à internet das coisas, de conversarem entre sí, de ser operados à distâncias por smartphones, relógios de pulso, roupas inteligentes. Fabricados com novos materiais baseados em nano e biotecnologia. A energia alternativa, solar, fotovoltáica, eólica está para superar sua grande barrera com as baterias desenvolvidas por Tesla para residências e os grandes acumuladores de energia em fase de teste por centros de pesquisa, que pode voltar a baratear a energia para a produção manufatureira e industrial em geral. Mas o mais espetacular vem com a manufatura aditiva baseada nas impressoras 3Ds. Há carrocerias de carros impressas. A G&E prevê imprimir turbinas inteiras de avião nos próximos 15 anos e já imprime partes dessas turbinas hoje em suas fábricas. Uma empresa chinesa já imprime casas de baixo custo e alto padrão com a mesma técnica. Centros de pesquisa médica já implantam bixigas humanas cultivadas em suportes orgânicos, orelhas, rins, corações, ossos, peles impressos em máquinas 3D. Esse é o início da manufatura distribuída para pequenas artefatos. As cadeias produtivas tendem a encurtar nas próximas décadas, será outro período de verticalização da produção de alta tecnologia e da distribuição das de tecnologia mais simples.

Quero também tratar do tema da nossa chamada vantagem comparativa estática em bens primários e agro-indústria. O preço das commodities se formam no mercado internacional e não dependem dos seus custos diretos e sim da demanda, dos processos de comercialização e dos mercados de futuros. Uma produção primária com alta tecnologia, rastreamento à distância, controle de pomares por rádio e drones, irrigação controlada por algoritmos de goteo, sementes desenvolvidas por biotecnologia, não mudam a natureza do produto. Uma banana gerada por alta tecnologia continua sendo uma banana, mais duradoura, mais bonita, mais saborosa, talvez, mas seu preço depende das forças do mercado e suas diatribes. Isso não muda o fato de que é um produto com baixa elasticidade renda e que sofre flutuações intensas de preços. Não participa de mercados dinâmicos e perde na corrida pela demanda geral dos consumidores para os produtos mais sofisticados. A necessidade por bananas é limitada, a necessidade por bens de consumo duráveis e bens de capitais, só se limita pela imaginação do produtor. Países que só produzem matérias primas, mesmos que com as tecnologias mais avançadas sempre estarão em uma situação mais vulnerável na inserção internacional.

Mas nosso pequeno drama não termina aí. A concorrência capitalista sempre buscará reduzir os custos de sua produção e isso inclui seus insumos, para preservar suas margens de lucros nos produtos finais, também alvo de pressões do mercado. Isso já ocorreu com vários insumos, como o salitre do Chile, a borracha da amazônia, o couro, a seda, o algodão, o carvão, o papel entre muitos outros. Não só com inovações de produtos, mas com inovações de mercados. A África, que felizmente começa a se desenvolver, será uma grande competidora da América do Sul nas próximas décadas. Nos temos água, minérios, petróleo, biodiversidade e eles também. Nós podemos ser o celeiro do mundo, eles também. Tudo que é sólido se desmancha no ar.

A secretária executiva da Cepal, Alícia Barcena, sempre nos relembra que vivemos não uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Isso significa uma mudança de estruturas, de paradigmas técnico científicos disruptivos, transformações que ocorrem dentro de estruturas e que mudam a própria estrutura. Isso está ocorrendo em nosso tempo de vida. Não acredito que nossa região possa enfrentar esse futuro e sair de sua condição de emergente e de países de renda média  pela ação isolada de nossos países. O mais certo é que essa fragmentação nos leve ao mesmo lugar de sempre, a periferia do sistema internacional. Mesmo atores internacionais muito melhor posicionados que cada um de nossos países da região, buscam alianças internacionais para manter ou avançar em suas posições na divisão internacional do trabalho e do poder. América Latina e o Caribe não deve temer a integração, deve vê-la como uma estratégia necessária. Mais uma vez, acredito não ser necessário discorrer sobre as dimensões e dificuldades políticas desse trabalho pela integração, que já foram sobejamente tratadas pelos ex-Presidentes Luis Inácio Lula da Silva do Brasil  e Ernesto Samper da Colômbia.

Muito obrigado pela sua atenção e mais uma vez agradeço o convite do Instituto Lula e da UNASUR a Cepal e reitero em nome de nossa Secretária Executiva nossa disposição de continuar apoiando ambas as instituições. Até logo.

 

 

 

 

 

[1] Antonio Prado, economista, 57, é Secretário Executivo Adjunto da Cepal- ONU.

[2] Total de beneficiários são 132.614.216, que representam 21.5% da população da região. Quantidade  de países é de 20 : Argentina, Belice, Bolivia, Brasil, Chile , Colombia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haití, Honduras, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, Perú, República Dominicana, Trinidad e Tobago e Uruguai). Recursos de 23.bilhões de dólares, equivalente a 0.39% do PIB regional (média ponderada).