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Rebeca Grynspan, Secretária-Geral da UNCTAD: o mundo necessita desesperadamente de solidariedade, fraternidade e multilateralismo

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30 de outubro de 2023|Comunicado de imprensa

A destacada economista, ex-Vice-Presidente da Costa Rica, ministrou a décima sétima Cátedra Raúl Prebisch na CEPAL.

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O Secretário Executivo da CEPAL junto a Rebeca Grynspan
O Secretário Executivo da CEPAL, José Manuel Salazar-Xirinachs, junto a Secretária-Geral da UNCTAD, Rebeca Grynspan (foto: CEPAL).
Foto: CEPAL

“O sofrimento que vemos ao nosso redor é um lembrete do que está em jogo quando perdemos de vista o longo prazo, quando deixamos pessoas para trás e perdemos a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. O que vemos é um aviso do que poderia ser o mundo em 2030, se fracassarem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, advertiu Rebeca Grynspan, Secretária-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), durante a décima sétima Cátedra Raúl Prebisch, ministrada na sede principal da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

A ex-Vice-Presidente da Costa Rica apresentou a cátedra “Globalização perturbada: Prebisch, desequilíbrios comerciais e o futuro da economia internacional”, na qual analisou a transição entre a hiperglobalização e o que ela chamou de ‘poliglobalização’, e falou sobre o legado de Raúl Prebisch. As palavras de abertura estiveram a cargo de José Manuel Salazar-Xirinachs, Secretário Executivo da CEPAL.

“Lá fora, milhões de pessoas estão sofrendo. As crises econômicas em cascata, a COVID-19, os implacáveis desastres climáticos, a guerra, a geopolítica e as insuportáveis cargas da dívida estão ameaçando o próprio tecido de nossa sociedade global”, advertiu Rebeca Grynspan, primeira mulher a ocupar o cargo de Secretária-Geral da UNCTAD.

Ela acrescentou que as agendas comuns que os países elaboraram em 2015 estão defasadas. “A este ritmo somente 15% dos ODS serão atingidos até 2030. Vimos regressões nos indicadores de pobreza, fome e equidade de gênero, para mencionar apenas alguns”, assinalou.

A destacada economista indicou que o investimento estrangeiro direto, por tanto tempo motor de crescimento e desenvolvimento, está estagnado desde a crise de 2008 na grande maioria dos países em desenvolvimento, e alertou que a lacuna para financiar os ODS no Sul Global, que em 2015 era de 2,5 trilhões, hoje alcança 4 trilhões de dólares.

Assinalou também que 3,3 bilhões de pessoas, ou seja, quase metade da humanidade, vivem em países que destinam mais recursos ao serviço da dívida do que a financiar a saúde e a educação.

“Nos encontramos em um paradigma onde os ODS e o Acordo de Paris são muito difíceis de conseguir e isto é enormemente perigoso, porque os ODS são demasiado grandes para fracassar (‘too big to fail’). Os ODS são muito mais que um conjunto de objetivos, são nossa última agenda comum em um mundo mais polarizado do que nunca, um mundo que necessita desesperadamente de solidariedade, fraternidade e multilateralismo”, afirmou.

Durante sua cátedra, Rebeca Grynspan asseverou que transitamos entre um período de hiperglobalização e outro de poliglobalização. Indicou que o zênite da hiperglobalização ocorreu em 1990-2010, quando o IED se multiplicou por 7, o comércio internacional por 4 e o acesso à Internet chegou a 30% da população.

“Abaixo da superfície três fatores negativos cresceram neste período: a desigualdade dentro dos países, a desindustrialização prematura (com estagnação do emprego) e a falta de resiliência no sistema internacional”, advertiu.

A Secretária-Geral da UNCTAD afirmou que o mundo enfrenta hoje uma globalização mais descentralizada, o trânsito de um sistema dominado por algumas potências globais para uma rede de polos regionais, grandes economias continentais do Sul e o auge de diversos fóruns plurinacionais. “Estamos enfrentando um multilateralismo competitivo, não universal”, asseverou.

Além disso, sublinhou que, embora não esteja claro se a multipolaridade aprofundará o multilateralismo, estão surgindo importantes polos políticos.

“No momento, porém, a geopolítica da multipolaridade nos está deixando sem espaços livres”, afirmou, e explicou que no multilateralismo deve haver espaços independentes, mas hoje parece que tudo é afetado pela geopolítica.

Advertiu também sobre a existência de uma crise nas regras do comércio.

“O mundo não conta com uma estrutura comercial adaptada a um contexto em que todos os polos estão fazendo política industrial. Isto, no longo prazo pode ser um risco, em especial para os países pequenos que dependem de um comércio internacional baseado em regras”, expressou.

Finalmente, Rebeca Grynspan realizou uma profunda análise do trabalho e do legado de Raúl Prebisch, ex-Secretário Executivo da CEPAL (1950-1963) e ex-Secretário-Geral da UNCTAD (1964-1969).

Destacou que um dos principais legados de Prebisch é seu apelo à cooperação multilateral e indicou que hoje, no contexto da poliglobalização, este apelo deve dar voz aos países que historicamente foram marginalizados na tomada de decisões no âmbito global.

“Nossas instituições (CEPAL e UNCTAD) em sua longevidade fizeram muito para dar esta voz, fechar esta lacuna e proporcionar soluções justas para todos os países, mas nossa maior tarefa apenas começou”, afirmou.

Em seu discurso de abertura, o Secretário Executivo da CEPAL, José Manuel Salazar-Xirinachs, destacou a importância da Cátedra Raúl Prebisch: “Um espaço de reflexão e análise que sempre se dedicou a construir um futuro melhor para todas as pessoas; não somente a recordação do passado, ou a mera contemplação do presente”.

“Sofremos a pavorosa pandemia de COVID-19, com suas enormes e devastadoras consequências econômicas e sociais. Acelerou-se a revolução tecnológica e digital, mas também a rivalidade tecnológica entre as grandes potências. Tivemos uma crise nas cadeias globais de abastecimento. Passamos a uma nova era de alta inflação e altas taxas de juros e custo do crédito. E quando pensávamos que as guerras haviam ficado para a história, explodiu a guerra na Ucrânia, e agora outra no Oriente Médio, com consequências e riscos potencialmente devastadores. A isto devemos acrescentar os impactos já muito claros da mudança climática”, alertou o máximo representante da comissão regional.

Acrescentou que, num contexto de profundos desafios e ameaças ao progresso humano, ante a mudança radical nas realidades e percepções sobre as vantagens e riscos da interdependência e da globalização, ante novas ameaças para o multilateralismo, bem como para os sistemas democráticos, era indispensável retomar a Cátedra Raúl Prebisch.

“E retomamos hoje esta Cátedra com uma pessoa que estudou em profundidade o desenvolvimento humano; que dedicou sua vida à luta contra a pobreza e por gerar maiores condições de desenvolvimento com equidade; que tem uma ampla visão de mundo e da região, com uma extraordinária capacidade de negociação e diálogo em espaços regionais e multilaterais; e que, além disso, sempre teve uma especial sensibilidade para as pessoas que se encontram em condição de vulnerabilidade e de injustiça”, enfatizou.

A Cátedra Raúl Prebisch foi criada em 2001 pelo então Secretário Executivo José Antonio Ocampo, como uma forma de prestar homenagem ao destacado economista argentino no centenário de seu nascimento. Em agosto de 2001, a Comissão teve como primeiro conferencista da nova cátedra o economista brasileiro Celso Furtado. Desde então, ministraram a cátedra destacadas figuras como Joseph Stiglitz, Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero, Dani Rodrik, Enrique V. Iglesias, Tulio Halperin, Fernando Savater, Aldo Ferrer, José Antonio Ocampo, Danilo Astori, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Rolando Cordera, Mariana Mazzucato, Ricardo Ffrench-Davis e Ha-Joon Chang.