Comunicado de imprensa
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos (WFP) apresentaram hoje um novo relatório especial conjunto, Para uma segurança alimentar e nutricional sustentável na América Latina e no Caribe em resposta à crise alimentar mundial, no qual instam a fortalecer a produção agrícola e os sistemas de proteção social e estender seu alcance na área rural para responder ao triplo desafio de combater a insegurança alimentar e o aumento da pobreza extrema e apoiar a produção de alimentos na região.
O documento foi divulgado em Santiago do Chile numa conferência de imprensa com a participação de José Manuel Salazar-Xirinachs, Secretário Executivo da CEPAL, Mario Lubetkin, Representante Regional da FAO para a América Latina e o Caribe, e Lola Castro, Diretora Regional do WFP para a América Latina e o Caribe.
Segundo o relatório, o contexto internacional de crises sucessivas e a guerra na Ucrânia comprometem o acesso da América Latina e do Caribe aos alimentos e a insumos importantes para a agricultura regional. O impacto da guerra na Ucrânia sobre os setores produtivos deve ser entendido no contexto das diversas crises que afetaram a economia mundial nos últimos 15 anos: a crise financeira de 2008, as tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China e, desde 2020, a pandemia de COVID-19. Essas crises resultaram em rupturas em diversas cadeias produtivas primárias e manufatureiras, seja pelo aumento das barreiras comerciais ou por disrupções no sistema de produção e transporte global de bens, explica o relatório.
O conflito bélico na Ucrânia afetou diretamente o comércio internacional de petróleo cru, gás natural, cereais, fertilizantes e metais. Assim, o aumento dos preços da energia e dos alimentos é um dos fatores que levaram a uma redução do crescimento global em 2022. Prevê-se que a economia mundial cresça 3,1% em 2022, 1,3 ponto percentual menos que o prognosticado antes da guerra; segundo as últimas projeções da CEPAL, o crescimento da América Latina e do Caribe será de 3,2% neste ano, mas se desacelerará para 1,4% em 2023, devido precisamente ao contexto internacional desfavorável.
A extensão da crise atual, em que convergem diversas ameaças de caráter produtivo, comercial, climático e geopolítico, não só ameaça a segurança alimentar, mas também pode levar a região e o mundo a grandes retrocessos em matéria de pobreza, desigualdade, ação climática e desenvolvimento sustentável, adverte o relatório.
“Apesar de contar com um importante superávit comercial agropecuário, a América Latina e o Caribe estão expostos a problemas de produção e comercialização e ao aumento dos preços derivado da guerra na Ucrânia. O aumento dos preços internacionais dos alimentos e insumos afeta tanto os países exportadores como os importadores líquidos de alimentos. Além disso, a região importa mais de 80% dos fertilizantes utilizados na agricultura. Uma redução nos rendimentos e nas colheitas de produtos importantes para a segurança alimentar devido a um menor uso de fertilizantes se somaria aos efeitos daninhos da inflação de alimentos sobre a população mais vulnerável”, assinalou José Manuel Salazar-Xirinachs, Secretário Executivo da CEPAL.
Como destaca o relatório da CEPAL, FAO e WFP, a inflação de alimentos aumenta o risco de problemas de acesso a uma alimentação saudável, insegurança alimentar e fome, pois afeta mais os domicílios de baixa renda. Na região, a inflação que afeta os setores mais pobres (primeiro quintil da distribuição de renda) é 1,4 ponto percentual mais alta que a correspondente aos setores mais ricos (quinto quintil). No primeiro quintil os alimentos correspondem a mais de dois terços da inflação geral e no quinto quintil a menos da metade. Os preços dos alimentos aumentaram mais que a inflação geral na região desde o fim de 2018 e se aceleraram a partir de maio de 2020. O índice de preços dos alimentos na região em 12 meses alcançou 1,7% em setembro de 2022, frente a 7,1% no caso da inflação geral. Segundo a FAO, em março de 2022 o índice de preços dos alimentos, medido em termos reais, alcançou seu máximo nível histórico: 156,3 pontos.
Mario Lubetkin, Subdiretor-Geral e Representante Regional da FAO para a América Latina e o Caribe, assinalou: “A fome na região aumentou 30% entre 2019 e 2021. A alta dependência da importação de fertilizantes e a variação dos preços dos alimentos têm um impacto negativo e inevitável nos meios de subsistência, principalmente da população rural, e no acesso a uma alimentação saudável.” E acrescentou: “Embora o índice de preços dos alimentos da FAO tenha baixado nos últimos sete meses, ainda está 14% mais alto do que o registrado em 2021. Fortalecer os sistemas de proteção social nas zonas rurais, particularmente os orientados a agricultores familiares, e eliminar as restrições ao comércio internacional de alimentos e fertilizantes são medidas essenciais na resposta à atual crise”.
Além disso, o estudo indica que é preciso reforçar o papel ativo que os sistemas de proteção social, inclusive os programas nacionais de alimentação escolar, desempenharam durante a fase mais crítica da pandemia para evitar que os segmentos mais vulneráveis da população, como crianças e idosos, sejam irreversivelmente afetados pelo aumento dos preços dos alimentos.
“Num cenário regional em que a pobreza multidimensional está cada vez mais vinculada à insegurança alimentar e nutricional e diferentes crises estão se somando a desigualdades estruturais profundas, os sistemas de proteção social, inclusive a alimentação escolar, desempenham um papel fundamental em mitigar a vulnerabilidade das pessoas antes, durante e depois das crises. Como Programa Mundial de Alimentos, estamos acompanhando os governos nacionais para identificar e atender a estas necessidades adicionais, através do uso e expansão da proteção social de maneira sustentável, além de um contínuo fortalecimento da preparação dos sistemas, para não deixar ninguém para trás”, indicou Lola Castro, Diretora Regional do WFP para a América Latina e o Caribe.
Garantir o acesso dos pequenos produtores a fertilizantes e biofertilizantes é uma medida necessária e válida se for concentrada nos produtores que mais necessitam e condicionada à melhoria da eficiência no uso destes insumos e da sustentabilidade da atividade agropecuária. O financiamento dessas iniciativas deve incluir não só os orçamentos públicos, mas também os bancos de desenvolvimento, os bancos privados (com a criação de mecanismos de garantia) e outras alternativas de financiamento internacional, como os títulos verdes e sociais, acrescenta o documento.
Finalmente, o relatório enfatiza que a complexidade e a magnitude das políticas necessárias para conciliar as respostas de emergência com a redução de problemas estruturais e fiscais demandam a coordenação em diversas áreas — macroeconômica, social e produtiva — e a articulação das respostas na região.