A sociedade do cuidado: Atuar hoje para um melhor futuro
Por José Manuel Salazar-Xirinachs, Secretário Executivo da CEPAL.

O Dia Internacional do Cuidado e do Apoio (29 de outubro) convida a refletir e atuar para construir uma sociedade que priorize o cuidado das pessoas e do planeta. Enfrentamos uma crise de desenvolvimento na região da América Latina e Caribe, que está presa em três grandes armadilhas: baixa capacidade para crescer, alta desigualdade e limitada capacidade institucional. Diante disto, a CEPAL documentou uma crise dos cuidados persistente, exacerbada pelo envelhecimento da população e pelos efeitos da mudança climática.
Na nossa região, as mulheres e meninas suportam uma carga desproporcional de trabalho de cuidados, tanto remunerado como não remunerado. Além disso, enfrentamos uma insuficiência crônica de investimentos, infraestrutura e políticas que reconheçam a importância deste trabalho. Uma em cada quatro mulheres na América Latina não tem renda própria, quase três vezes mais do que os homens. A metade das mulheres está fora do mercado de trabalho e, dentre elas, mais da metade não trabalha de forma remunerada devido a responsabilidades familiares e de cuidado.
A divisão sexual do trabalho continua relegando as mulheres ao âmbito doméstico. Elas dedicam quase o triplo do tempo que os homens ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado. Enquanto as tecnologias avançam, as demandas de cuidado não diminuem. Atualmente, mais de 95 milhões de pessoas com 60 anos ou mais vivem na região (14,3% da população) e este grupo deve representar 25% em 2050. Este envelhecimento rápido aumenta as necessidades de cuidado no longo prazo, sobretudo para pessoas com mais de 80 anos, muitas delas sem proteção social adequada.
É urgente formular políticas que abordem estas crescentes necessidades e melhorem as condições das pessoas que oferecem cuidados. Estas políticas devem promover a corresponsabilidade entre homens e mulheres, bem como entre os domicílios, o Estado, a comunidade e o setor privado. Além disso, é necessário criar empregos de qualidade na economia do cuidado, impulsionando os serviços de longo prazo e reduzindo a carga de trabalho não remunerado nos domicílios. Isto não só dinamizaria a economia, mas também eliminaria um dos principais obstáculos à participação das mulheres no mercado de trabalho.
Para que a criação de empregos neste setor seja efetiva, é fundamental garantir o trabalho decente, com condições dignas, formalização e proteção social. Isto é especialmente relevante para as trabalhadoras domésticas e os migrantes, que costumam estar em situações de trabalho mais precárias.
A América Latina e o Caribe avançaram em políticas e sistemas de cuidado na última década, destacando-se por inovações normativas e a melhoria das estatísticas de gênero, especialmente na medição do uso do tempo. Reconhecer o cuidado como um direito e um trabalho essencial foi crucial na consolidação deste enfoque. A Agenda Regional de Gênero, adotada ao longo de quase cinco décadas na Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, impulsionou esta mudança. O Consenso de Brasília (2010) reconheceu pela primeira vez o direito ao cuidado, reforçado no Compromisso de Buenos Aires em 2022.
O enfoque no cuidado também ganhou relevância em outros espaços intergovernamentais na CEPAL, como o Consenso de Montevideo sobre População e Desenvolvimento (2013), a Conferência Regional sobre Envelhecimento e Direitos das Pessoas Idosas (Assunção 2017 e Santiago 2022) e a Conferência Regional sobre Desenvolvimento Social da América Latina e do Caribe (2023). Estes encontros refletem um consenso crescente sobre a necessidade de abordar o cuidado como um pilar para o desenvolvimento sustentável.
A sociedade do cuidado é o horizonte para o qual devemos avançar. Superar as armadilhas do desenvolvimento exige transformações profundas que só serão obtidas mediante a solidariedade intergeracional, investimentos estratégicas e cooperação regional. Impulsionar uma sociedade do cuidado nos convida a atuar e construir um futuro mais inclusivo, produtivo e sustentável, no qual o bem-estar de todas as pessoas esteja no centro de nossas políticas.
Este apelo não só é urgente, mas também inevitável. Atuar hoje é semear esperança para as gerações futuras e assegurar que o cuidado, em todas as suas formas, seja reconhecido como a base de uma sociedade mais justa.