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Secretária-Executiva da CEPAL, Alicia Bárcena:
“Não somente no social se transforma o social”

Foto: Lorenzo Moscia/CEPAL

Em mais algumas semanas ocorrerá a reunião bienal mais importante da CEPAL. Trata-se do Trigésimo quarto período de sessões, que será realizado de 27 a 31 de agosto, em San Salvador, El Salvador, com a participação de delegados de mais de 50 Estados-membros e associados do organismo. Além de examinar o andamento das atividades da Comissão, neste fórum serão analisados temas de importância para o desenvolvimento dos países da região.

Nesse marco, a CEPAL lançará seu novo documento de posicionamento, intitulado Mudança estrutural para a igualdade: Uma visão integrada do desenvolvimento, que dá continuidade às propostas divulgadas em 2010, durante o último período de sessões, realizado em Brasília, Brasil.

Nessa entrevista, a Secretária-Executiva da CEPAL, Alicia Bárcena, adianta alguns dos conceitos que orientam o novo posicionamento da Comissão para os próximos anos.

No Período de Sessões anterior, realizado em Brasília, em 2010, a CEPAL estabeleceu o tema da igualdade como valor central das agendas de desenvolvimento. Como se avalia a acolhida que teve esta mensagem entre os países da região?

Cremos, com humildade mas com muita convicção, que as reflexões reunidas sobre A Hora da igualdade: Brechas por fechar, caminhos por abrir permearam profundamente a agenda pública em nosso continente. A igualdade, da maneira em que foi então exposta, supõe uma larga difusão, no âmbito da estrutura produtiva e do tecido social, o desenvolvimento de capacidades, o progresso técnico, as oportunidades de trabalho e o acesso universal a prestação de serviços e redes de proteção social.

A igualdade também supõe a instauração de uma ordem democrática deliberativa, com plena participação e voz dos mais diversos atores sociais e com um papel central do Estado como garantia dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, que envolve responsabilidades em matéria de promoção, redistribuição, regulação e fiscalização.

Colocar a igualdade no centro implicou numa ruptura com o paradigma econômico que prevaleceu na região durante pelo menos três décadas. Hoje, vemos multiplicar para toda a região políticas públicas que reunem esta inspiração.

Mas, cuidado: as propostas consagradas em Brasília e aquelas que levamos a San Salvador não são impulsos iluminados de um punhado de especialistas. São, em vez disso, uma mirada sistematizada sobre as demandas que se cristalizaram na nossa América. Emergem, desde nossas sociedades, como necessidades relativas a uma cidadania consciente, exigente, comprometida e disforme com o status quo. O empenho da CEPAL tem sido escutar, estudar e entrar em sintonia com as aspirações que têm presença e legitimidade em nossos povos.

De que forma o novo documento que a CEPAL apresentará em El Salvador, chamado Mudança estrutural para a igualdade. Uma visão integrada do desenvolvimento, dá continuidade às propostas lançadas em 2010?

Há um passo de continuidade e aprofundamento. Cremos que hoje é necessário explicitar mais nitidamente que “não somente no social se transforma o social”. Pelo contrário, a igualdade e a desigualdade, tanto de ativos como de direitos, são fortemente condicionadas por assuntos nos quais buscamos agora dar mais ênfase: na estrutura produtiva, no desenvolvimento tecnológico, nas brechas no mundo do trabalho, no manejo macroeconômico dos ciclos, na organização territorial, no desenvolvimento das capacidades, na proteção social e na participação política.

Para a CEPAL, a igualdade social e um dinamismo econômico que transforme a estrutura produtiva não estão brigando entre si; são complementares e o grande desafio é encontrar as sinergias entre ambos. Numa visão integrada do desenvolvimento, como a que propomos agora, a igualdade vai se delineando em uma dinâmica virtuosa de crescimento econômico e no aumento sustentado da produtividade com inclusão social.

Sugerimos fazer convergir a política macroeconômica com a industrial, convencidos de que as políticas fiscais, monetárias e cambiais, não devem atuar somente no sentido de promover a estabilidade nominal e suavizar o ciclo econômico. Cremos que são também instrumentos para incentivar o investimento de longo prazo, para diversificar a estrutura produtiva.

Concretamente, propomos que a política industrial desempenhe um papel de protagonista em duas direções. Que permita, por um lado, dotar de maiores capacidades e competitividade os setores existentes, com claro potencial de crescimento e incorporação de progresso técnico, e que, paralelamente, ajude a diversificar a estrutura produtiva, mediante a criação de novos setores de alta produtividade e maior sustenibilidade e eficiência ambiental, apontando para uma maior convergência em níveis de produtividade do conjunto da economia.

Esta política industrial deve estar inserida na plena interação com a fronteira científico-técnica, um imperativo em um mundo que vive uma revolução que abarca as novas tecnologias de informação e comunicação, a biotecnologia e a nanotecnologia, e onde novas formas de conhecer e produzir adquirem um ritmo vertiginoso.

Nesse sentido, cremos que torna indispensável a decisão política das sociedades de canalizar a produção e a tecnologia por caminhos que levem em consideração as gerações futuras e a longo prazo.

Como podem os países da região combinar os desafios imediatos apresentados pelo atual cenário de incerteza econômica internacional com um olhar estratégico de longo prazo como o que propõe a CEPAL?

Se como região não abordamos as defasagens em matéria de conhecimento, tecnologias e sustentabilidade, uma vez que diminuam as incertezas que têm atrasado o crescimento dos Estados Unidos e deixado em estado precário a situação da Europa, as distâncias vão se ampliar de forma irremediável. Continuamos sofrendo os efeitos estruturais da crise da dívida que enfrentamos há três décadas e não temos podido ainda restabelecer os níveis de investimento indispensáveis.

Se hoje não conseguimos que nossa resiliência frente às adversidades econômicas globais se transforme em uma aposta audaciosa, ativa e prática por subir ao trem mundial do progresso técnico associado aos novos paradigmas tecnológicos, pode ser, então, que seja muito difícil tomá-lo. Isso sim, de forma complementar, cremos que seja necessário reconfigurar os padrões de produção e crescimento de forma que sejam sustentáveis desde o ponto de vista ambiental.


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  Em El Salvador a CEPAL lançará seu novo documento de posicionamento, intitulado Mudança estructural para a igualdade: Uma visão integrada do desenvolvimento, que dá continuidade às propostas divulgadas em 2010, durante o período de sessões anterior, realizado no Brasil.
 
 
  A igualdade e a desigualdade, tanto de ativos como de direitos, vêm-se fortemente condicionadas pela estrutura produtiva, pelo desenvolvimento tecnológico, pelas brechas no mundo do trabalho, pelo manejo macroeconômico dos ciclos, pela organização territorial, pelo desenvolvimento das capacidades, da proteção social e da participação política.