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O rastro de carbono poderia aumentar a vulnerabilidade
do comércio latino-americano

Foto: confusedbee, Flickr

O papel do rastro de carbono como instrumento dos países desenvolvidos para mitigar a mudança climática é cada vez mais relevante, mas as suas possíveis consequências sobre o comércio na América Latina ainda estão distantes de serem inteiramente compreendidas e resolvidas.

O rastro de carbono se refere à quantidade de dióxido de carbono (CO2) emitida durante o ciclo de vida de um produto ao longo da cadeia de produção, incluindo, às vezes, também a sua recuperação e eliminação ao final do ciclo.

Em geral não existe na região um consenso sobre os benefícios do rastro de carbono: alguns o consideram uma oportunidade, outros como um possível obstáculo para o comércio.

Devido a que a matriz exportadora da América Latina e do Caribe é altamente dependente de produtos ambientalmente sensíveis, e que, portanto seria afetada por medidas que discriminam produtos com base em seu rastro de carbono, os países da região se preocupam que o “conteúdo de carbono” de seus produtos dê passagem a medidas protecionistas.

Isto é especialmente inquietante porque os países em desenvolvimento não são precisamente responsáveis por uma grande parcela das históricas emissões de carbono no planeta e emitem em termos per capita muito menos que os países desenvolvidos.

A América Latina e o Caribe têm uma ampla gama de produtos que se destinam a mercados aonde atualmente vêm sendo debatidas leis sobre rastro de carbono. Por exemplo, do total de exportações da Argentina em 2008, 1,8 % foram veículos vendidos para a França, e do total de exportações do Brasil em 2009, 0,6% eram vendas de café para a Alemanha.

Tanto os veículos como o café estão incluídos na lista de produtos aos que se medirá seu rastro de carbono. Não é difícil imaginar que a Argentina e o Brasil poderiam incorrem em maiores custos ou enfrentar-se a uma menor demanda internacional caso considerem que seus produtos são mais altos em intensidade de carbono, a preços comparáveis. Outros setores vulneráveis na região latino-americana incluem os produtos têxteis, o salmão, os alimentos congelados e as flores.

Até o momento na região criaram-se inventários nacionais de rastro de carbono, há mais regulações e metas de redução, assim como metodologias para calculá-lo.

Alguns países estão começando a inventariar determinados setores e produtos para desenvolver estratégias de comércio. Os inventários do Brasil, por exemplo, se centram em nível setorial e nacional, enquanto o Chile busca chegar à neutralidade de carbono em sua produção agrícola e atualmente está determinando o rastro de carbono de alguns dos seus produtos agrícolas (como o vinho) e agropecuários. O seu enfoque é a análise do ciclo de vida, que inclui os animais e seus resíduos e as emissões na produção e na pós-produção. O plano chileno inclui calcular a neutralidade com compensações através da remoção de carbono de bosques e solos.

A Costa Rica, que há muito tempo decidiu converter-se em um país carbono-neutro, atualmente incorpora trabalho sobre o rastro de carbono no setor turístico como parte da sua estratégia.

O Uruguai assumiu uma posição proativa quanto ao potencial “protecionismo climático” e criou grupos de trabalho para calcular o rastro de grupos de produtos-chave de exportação como carne, lácteos e arroz. Os cálculos feitos pelo Uruguai, como no Chile, também incluem a fixação de carbono, uma metodologia atualmente não incluída nas normas mais comuns em vigor (PAS 2050, UE, ISO, etc.).

Externamente à região, vários países adotaram medidas para exigir dados sobre o rastro de carbono de um produto e o setor privado está elaborando um sistema voluntário de etiquetagem.

O Carbon Trust e o PAS 2050 e PAS 2060 do Reino Unido, por exemplo, são medidas voluntárias centradas na etiquetagem de CO2. A França elaborou a lei Grenelle 2, enfocada em 16 famílias de produtos, que entrará em vigor em julho de 2011 em fase experimental de um ano. Será obrigatória nos anos posteriores. A União Europeia criou uma ecoetiquetagem para um desenvolvimento mais limpo e busca harmonizar as iniciativas nacionais, começando pelas metodologias.

As normas ISO 14067-1 e 14067-2 visam padronizar o rastro de carbono de produtos, mas continua difícil um consenso entre os países participantes em sua criação. Outros países desenvolvidos (Alemanha, Japão, Estados Unidos e Nova Zelândia), a esse respeito, estão considerando outros projetos de lei.

Outras temáticas tornam o rastro de carbono um tema complexo, incluindo a etiquetagem com base em múltiplos critérios e outros dados que possivelmente podem ser incluídos, como o rastro de água e da biodiversidade/meio ambiente. Estas iniciativas buscam enviar uma mensagem clara e simples e evitar o amontoamento de variáveis. Até o momento, as iniciativas parecem ser compatíveis com os atuais acordos comerciais bilaterais e regionais e com as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Parte da dificuldade em adotar o rastro de carbono como instrumento para mitigar a mudança climática reside no fato de que não existe uma metodologia padronizada para calcular o rastro de carbono e há uma grande quantidade de critérios, iniciativas privadas e metodologias em todo o mundo.

Para responder frente a isso, é importante que a América Latina e o Caribe desenvolvam uma aproximação regional coletiva, com a participação ativa na fixação de padrões para o rastro de carbono e num intercâmbio sobre os avanços metodológicos já alcançados na região.

Existe uma oportunidade para a região, que atualmente considera a fixação de carbono no cálculo de seu rastro de carbono, para compartilhar esta metodologia em outros fóruns normativos.

Além disso, por meio de mecanismos bilaterais e bi-regionais, como os acordos comerciais, a região latino-americana pode representar suas inquietudes a suas contrapartes da região e da União Europeia.

Em forma adicional, os vínculos do rastro de carbono com a inovação, a pesquisa e desenvolvimento e as transferências tecnológicas são considerações essenciais, já que sem eles a região veria prejudicada a sua capacidade de reduzir emissões.

A sustentabilidade no longo prazo das exportações da região dependerá de um enfoque regional coordenado, assim como de uma mudança cultural radical nos padrões de produção e de consumo. Sem estas medidas e uma ativa participação no debate sobre o rastro de carbono, as preocupações sobre o comércio não diminuirão e a região continuará sendo vulnerável.

 

*por Joseluis Samaniego, Heather Page, Heloisa Schneider e Carolina Tapia, com a colaboração de José Durán

Mais informação em: www.iisd.ca/larc/climate/iscf2/

 


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  A matriz exportadora da região é altamente dependente de produtos ambientalmente sensíveis, que poderiam ver-se afetados por medidas que discriminam produtos com base em seu rastro de carbono.
 
  Do total de exportações do Brasil em 2009, 0,6% foram vendas de café para a Alemanha, onde já se mede o rastro de carbono desse produto.